terça-feira, 24 de maio de 2011

Entrevista à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco

Quais são as medidas a serem tomadas quando sabem que uma criança está em risco?
Nós recolhemos sinalizações, qualquer pessoa pode sinalizar, ou por escrito, enviando uma carta ou por e-mail, também recolhemos sinalizações por entidades, escolas, instituições. As sinalizações podem ser anónimas, e também recolhemos sinalizações por telefone. Assim que chegam essas sinalizações, as que vêm por telefone há alguém que as passa por escrito, depois, às 3ªfeiras é quando temos a reunião com todos os técnicos, fazemos uma avaliação dessas sinalizações, fazemos um diagnóstico, se é uma situação de perigo se não é, se requer já uma visita domiciliária ou se podemos fazer só uma convocatória, portanto, há uma avaliação daquilo que chega. Vimos também se há outros técnicos que possam já estar a trabalhar com a família, porque, como se sabe, muitas das crianças sinalizadas vêm de famílias carenciadas, desestruturadas, essas famílias têm um acompanhamento por parte de uma técnica da segurança social. Muitas vezes também vimos que tipo de trabalho é que já está a ser feito com essa família para ver se há necessidade de intervirmos, porque muitas das vezes já está outro técnico a fazer essa intervenção, então falamos com todos os outros técnicos de outras organizações, como a Santa Casa da Misericórdia. Se realmente achamos que é uma situação para abrir processo, se se verifica que realmente a criança está a ser maltratada e que há realmente provas disso, grande parte das sinalizações que nós recolhemos são da escola, a nível do 1º ciclo as sinalizações são por negligência, como maus-tratos ou a criança vai para a escola sem comida, ou vem com marcas, ou falta sistematicamente, pronto, os meninos pequeninos precisam de um acompanhamento muito próximo dos adultos, a nível do 2º e 3º ciclo as sinalizações da escola já são por abandono, nós normalmente não abrimos processo porque a escola já tem mecanismos para dar respostas a situações dessas, só depois da escola esgotar todas as suas diligências possíveis é que sinaliza aqui à Comissão, são os casos de abandono em que a criança ou o jovem deixa mesmo de aparecer na escola. Depois desta sinalização, de abandono, primeiro convocam-se os pais ou as pessoas com quem o aluno/a vive para pedirmos consentimento, porque nós só podemos actuar se tivermos o consentimento da família, esse consentimento tem de ser por escrito, se eles não quiserem o nosso acompanhamento esse processo é remetido para o Ministério Público. A Comissão só pode actuar se tiver um consentimento por escrito e se a criança tiver mais de 12 anos. O Ministério faz uma avaliação da sinalização e depois reencaminha para o Tribunal para se abrir processo. Se a família der o consentimento, porque muitas das vezes são as famílias que nos procuram por já não saberem mais o que fazer com os jovens, aqueles jovens que se portam muito mal na escola que não respeitam ninguém, essas situações muito complicadas, aí se permitirem que haja acompanhamento abre-se o processo, primeiro, faz-se uma avaliação de todo o meio familiar, normalmente faz-se uma visita domiciliária para se ter uma noção das condições institucionais e da relação do meio familiar, e depois vê-se qual é a medida para se aplicar, existem várias medidas, existe a medida de apoio junto aos pais, que normalmente é a medida que mais se aplica, em que ficam à guarda do pai ou da mãe, porque muitas das vezes muitas das nossas famílias já são famílias monoparentais, em que existe só um pai ou uma mãe, ou uma avó, e faz-se um acordo, nesse acordo estão todos os parâmetros que nós achamos que a família e o jovem terão de fazer para que a situação se altere. Quando são situações de abandono tentamos ver que idade tem a criança, se tem por ex. 15 anos, a escola não funciona, tentamos procurar alternativas profissionais, como cursos profissionais, dentro dos gostos e dos interesses dos jovens, aqui ou em Almada ou Setúbal, tentamos ver que tipo de respostas educacionais existem para esses jovens na escola em que eles estão inseridos, às vezes também o problema é a inserção da criança nessa escola, ou porque foi vítima de bullying, às vezes basta transferir a criança de escola. Para se actuar faz-se uma convocatória com toda a gente envolvida no meio familiar, se a família não quiser então encerra-se o caso e remete-se para o Ministério. Têm todos de concordar, basta uma pessoa da família não concordar para o acordo não ser feito. Na altura em que se faz o acordo se existir algum parâmetro em que a família não concorde podem não assinar e aí o caso é remetido para o ministério. Se concordarem, normalmente esses acordos, essas medidas, têm 6 meses de duração, é uma situação que precisa de ser revista mensalmente, depois consoante a situação vai-se fazendo uma reavaliação, o contacto permanece com a família, também se vai pedindo relatórios à escola ou a outra entidade qualquer em que esteja envolvido, se a família estiver a ser acompanhada com outros técnicos reunimo-nos todos para fazer uma avaliação da situação. Existe também a medida de apoio junto a outro familiar, porque por vezes existe a situação em que a criança está com o pai ou com a mãe mas a mãe é negligente e não pode tomar conta da criança, então aí vamos procurar outro membro da família que esteja disponível para ter a criança ao seu cuidado, então faz-se o acordo com essa pessoa, quando há essa situação tem de se avisar o tribunal de que a criança passa a estar à guarda dessa pessoa. Também existe outra medida, que é a medida de apoio ______________ , que às vezes não tem laços familiares coma criança mas é um vizinho ou uma pessoa amiga e não se importa de ter essa criança ao seu cuidado e retirar a criança dessa situação de perigo e risco em que se encontra. Uma das medidas que nós tentamos evitar, mas que é recorrente, é a medida de colocar a criança numa instituição, por vezes há aquelas famílias muito extensas, que moram todos juntos, e por vezes o perigo encontra-se mesmo no seio familiar, e nessas situações não existe mais ninguém a quem possamos recorrer, então aí retira-se a criança desse meio e coloca-se numa instituição, normalmente as instituições são temporárias, porque nós não nos esquecemos da família e tentamos trabalhar com a família, nós não, os técnicos da segurança social, porque nós só trabalhamos mesmo com a criança, para que a família se posse reestruturar e possa ser reintegrada nessa família, às vezes consegue-se, outras vezes não, normalmente quando são bebés ou crianças muito pequenas e as famílias são toxicodependentes ou completamente desestruturadas, essa crianças são reencaminhadas para a adopção.
E quando o processo está a decorrer, onde é que a criança fica? Continua a ficar com os pais?
Isso depende da situação, por ex. em situações de abuso sexual ou de grandes maus tratos físicos visíveis, por ex. a criança chega à escola com marcas de abusos, aí o D.T tem de ligar para a Escola Segura e um agente leva a criança ao Centro de Saúde, para que a criança possa ser observada, em caso de abuso físico ou sexual, e para que haja um registo escrito, nessas situações o caso é remetido para o Ministério Público para que seja aberto um processo-crime, ao mesmo tempo, a criança também é sinalizada à Comissão, muitas vezes depois articulamos também com o Ministério Público, quando a situação é muito grave o Ministério acaba por tomar conta do caso e nós acabamos por nos distanciar. Houve um caso em que uma jovem revelou ter sido vitima de abuso sexual por parte do pai, numa aula, então a DT levou a jovem ao médico e esta acabou por ter sido retirada, porque tem de se retirar a criança do perigo, nessa altura o pai estava no estrangeiro mas iria regressar no fim-de-semana. Nesse dia a jovem veio cá com a mãe e dissemos-lhes que não se afastasse do agressor a sua filha teria de ser retirada, perante essa situação a senhora não quis sair de casa, portanto teve de sair a filha. Quando são situações de abuso sexual actua-se de imediato. Tudo o que nós fazemos está de acordo com a lei.
E se os pais estão separados, e o pai ou a mãe levar a criança para o estrangeiro como é que fica a situação?
Nós só podemos actuar dentro do território português, nessas situações só o Tribunal é que pode actuar. Normalmente acciona-se a polícia e é o Tribunal que actua nessas situações de rapto. Nessas situações a Comissão só poderá intervir quando a criança regressar para Portugal, se já foi uma criança sinalizada o Tribunal depois poderá pedir-nos para fazer um acompanhamento a essa criança. Essas situações ocorrem quando os pais são separados, normalmente, e aí a criança é utilizada para chatear e ferir o outro, a isso se chama alienação parental, quando a criança está com o pai e depois está com a mãe, por vezes até são os próprios pais que fazem denúncias e nem sempre a criança está em perigo. Nessas situações em que a criança pode estar traumatizada fazemos uma terapia com a família.
E quando a criança vai para uma instituição continua a frequentar a escola normalmente?
Tenta-se que a criança fique próxima da sua área de residência, também para não perder o contacto com outros familiares. Mas nem sempre é possível, porque temos muitas instituições e crianças e por vezes têm que ir para bastante longe e terá de mudar de escola perto da sua nova residência. Nós depois articulamos também com as Comissões dos outros concelhos.

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